Este hotel tem 45 mil livros e apenas 30 quartos
Fonte: NIT
Texto: Marta Gonçalves Miranda
Abriu em outubro um hotel literário em Óbidos. Os donos dizem que é único no mundo. Há cocktails e jantares literários.
O edifício da Rua Dom João de Ornelas, em Óbidos, nunca deixou de receber hóspedes. É assim desde 1965, quando um antigo convento do século XIX se transformou numa estalagem. 50 anos depois, o casal Telmo Faria e Marta Garcia, donos do Rio do Prado, trouxe os primeiros livros para o edifício. Queriam abrir um hotel literário. Em outubro, afixaram a placa com o novo nome: The Literary Man (o homem literário, em tradução livre).
Livros de filosofia, gastronomia, saúde, viagens, desporto, paisagens e literatura, claro. Há livros que nunca mais acabam. 45 mil títulos espalhados por todas as partes do hotel. “A grande maioria está em língua inglesa”, explica à NiT Telmo Faria, proprietário do hotel.
“Temos os 300 autores mais lidos de sempre, como John Grisham, Nora Roberts e Dan Brown”. E acrescenta:“Os hotéis literários lá fora são pouco expressivos, têm entre três a quatro mil livros no máximo”.
Aqui há muitos mais. Livros antigos, de investigação, grandes clássicos e algumas raridades. “Passámos muito tempo a estudar o que é que fazia falta nas livrarias portuguesas. Não queríamos ter uma oferta que fosse igual ao que já existe na rede de livrarias do País”.
O The Literary Man tem 30 quartos, alguns em antigas celas de freiras, e um restaurante, que também funciona como sala de pequenos-almoços e bar de gin. Há ainda serviço de massagens, que funcionam na antiga cave de vinhos. Para o ano o hotel pretende ter também um spa com sauna e banho turco.
A estalagem tinha 31 quartos. Atualmente estão a funcionar 30, mas o hotel quer reduzir esse número para 27. “Queremos tornar alguns quartos maiores, sobretudo nas celas [a ala onde dormiam as freiras]”. Os quartos estão a ser remodelados aos poucos, e para já nove estão finalizados. Mudou tudo: com um estilo bem mais contemporâneo, o espaço tornou-se também ecológico. A decoração ficou a cargo da própria equipa criativa do Rio do Prado, que num armazém alugado recicla, limpa e recria mobiliário e revestimentos a partir de madeiras, entre outros materiais, que estavam prontos para ir para o lixo. No restaurante, por exemplo, há mesas que foram feitas a partir de antigas portas do hotel e de outras casas no centro histórico.
“Tive um cliente que me perguntou uma vez:‘E se lhe roubarem um livro?’. Eu respondi-lhe: ‘Olhe, o pior que pode acontecer é alguém lê-lo.”
O restaurante do hotel chama-se Literary Restaurant, serve apenas jantares (almoços só por marcação) e tem capacidade para 156 pessoas. Na ementa há pratos típicos da cozinha tradicional portuguesa, pratos vegetarianos e menus literários. Em outubro, Virgina Woolf inspirou uma Tarte da Avó, John Steinbeck um Risotto de Cogumelos e Italo Calvino umas Moules Mariniére. “As ementas vão variando. Podem durar um mês, dois meses, ou até mais, se tiverem a ter muita procura”. A cozinha está sob o comando do chef Fernando Dias. O preço médio por refeição varia entre os 15€ e os 35€ (por pessoa, com bebidas incluídas).
Quanto ao bar de gin — que se chama The Literary Gin Bar — começa a funcionar assim que terminam os pequenos-almoços e está aberto até à meia-noite. Há mais de 30 marcas de gin disponíveis, incluíndo cocktails literários, como um Lolita (Amaretto Sour) ou um Moby Dick (Salty Dog).
Mas voltemos aos livros. No The Literary Man, os livros estão mesmo por toda a parte e podem ser consultados no local, requisitados, comprados, doados, trocados ou oferecidos. Passamos a explicar melhor: no restaurante há 15 mil livros só com coleções estrangeiras. Estão todos à venda. No hall de entrada e zona de receção funciona a biblioteca, com livros que toda a gente pode consultar e até requisitar (não precisa de ser hóspede). Por fim, nas áreas comuns, nomeadamente na zona central de passagem de pessoas, há cerca de mil livros (e vão ser mais) que foram doados e estão agora à venda para ajudar uma instituição de caridade.
Os hóspedes também podem trocar livros ou simplesmente doá-los: “Já tive um cliente brasileiro que me deixou três livros porque já os tinha lido e não queria voltar com eles”. Quanto à possibilidade de roubo — há títulos mesmo por toda a parte e ninguém anda a vigiar ninguém —, Telmo Faria não está preocupado. “Tive um cliente que me perguntou uma vez: ‘E se lhe roubarem um livro?’. Eu respondi-lhe: ‘Olhe, o pior que pode acontecer é alguém lê-lo.”