Por: Marcelo Maio

Milan Kundera fala, em algum livro de que não me lembro, que não gostava de dar nome aos seus personagens. Eu, que compartilho desse sentimento, acrescento que só dou nome aos meus para fins de organização

Essa organização se dá pelo fato de eu não poder passar um texto inteiro chamando meu protagonista de “ele”, sob pena de repetir o pronome infinitas vezes. Além disso, em um hipotético encontro que “ele” tenha com outros personagens homens, “ele” mais “ele” poderão virar tantos “eles” que ninguém mais saberá de quem estou falando.

Portanto, “ele” pode ser Gerson, Bruno, Vitor, Marcio… Só para organizar o discurso, nada mais. Batizar um personagem é um aborrecimento. Quando você o nomeia, você o mundaniza. Imagine que você cria um herói, alguém acima de sentimentos e atitudes mesquinhos terrestres, um personagem muito além de nós, meros mortais. Como chamá-lo? Juninho: pronto, matou o encanto, acabou a magia.

Talvez eu devesse fazer como os grandes escritores russos, que usam os nomes dos personagens como um acréscimo às suas características. Raskólnikov, por exemplo, é oriundo da palavra “raskolnik”, que significa “cisão” ou “cisma”, o que nos leva ao “cindido” e “atormentado” protagonista de “Crime e Castigo”. Karamázov provém de “kara”, (“castigo”) e “mázat”, (“sujar”, “não acertar”, “pintar”). Mas, no português, isso não seria meio ridículo?

Imerso nessa limitação, acabo de desistir de um conto. Seria sobre uma pessoa – não sei se homem ou mulher – que não buscava mais jardins, mas, antes, apenas uma flor, algo como a flor de Drummond: aquela, que é feia, mas é uma flor. Isso, apenas isso, faz dele(a) alguém que não pode ser batizado(a). Como podem ver, nem mesmo seu gênero deveria vir à tona, por não ter nenhuma importância. Mas seria mesmo difícil falar dessa pessoa sem lhe dar um nome ou sem, no mínimo, decidir-lhe atribuir um “ele” ou um “ela”. Portanto, esse ser existirá apenas no mundo das coisas que poderiam ter sido, mas não foram. Não são. Não serão. Uma pena, pois ficarei sem saber se a flor conseguiu furar o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Ficarei sem saber se a flor conseguiu ser encontrada.

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